11 de jun. de 2010

Quem faz com as mãos sabe dos calos






Por Paulo Edson Oliveira


Aqui em Imperatriz o sol parece ser regado a gasolina. Um calor desalmado e um mormaço denso paira sobre a cidade, fazendo suar a pele e minha dor de cabeça aumentar. Estou na Praça de Fátima. São tantas as opções de gente para ouvir, para saber o que viram, e depois de algum tempo procurando enfim acaba a tormenta de quase um mês sem achar ninguém. Aqui está ele: Penivaldo Rodrigues, 46, desde 1981 na cidade monarca , artesão com um nome que deve ter acarretado muitas chacotas ao longo da vida.

Vindo de Rondonópolis, Mato Grosso, Penivaldo está lá, sentado no banco, esperando a necessidade da vaidade humana se manifestar ao fitarem suas obras cuidadosas, feitas com mãos grossas e firmes, porém delicadas e talentosas, evidenciando os 12 anos de trabalho manual aprendido na teimosia de quem nasceu na roça, bateu laje e levantou da cama cedo para derrubar paredes sonolentas.

Debaixo da árvore mór soberana da praça, Penivaldo aguarda, enquanto me aproximo e começo a puxar assunto. Não faço cerimônia e tiro logo o bloco mostrando o que iria acontecer. De início, meio arredio, Penivaldo se recusa a falar, me aponta outra pessoa que talvez aceitaria.

Após um período de resistência, debaixo da árvore mor soberana da praça, iniciamos o diálogo. Pergunto sobre a vida, de como ele veio parar aqui. Como todo migrante, ele faz questão de dizer que a falta de emprego o fez sair da terra natal. Trabalhou como pedreiro, servente, topógrafo, oleiro, e retirando areia do fundo do rio Tocantins, do jeito antigo, mergulhando com um balde, lembra ele com uma expressão difícil no rosto que mostra o quanto seu trabalho era agradável. “Mergulhar mais de 50 vezes por dia pra tirar areia não é coisa de gente não, cara”.

Da infancia ele só lembra da roça, da enxada amolada por vezes cortando os dedos dos pés, do pai caminhoneiro que veio embora trazendo a mãe e mais seis filhos para a princesa do Tocantins, buscando a benção da rainha hospitaleira com quem labuta para viver. Ao que parece, Penivaldo herdou do pai esse espírito cosmopolita de vagar por aí. Viaja por toda a região sul – maranhense nas cidades circunvizinhas, levando sua arte para quem quiser, para sustentar a casa com mulher e 4 filhos. Em certo ponto reclama da concorrência na profissão, dividindo espaço com os hippies e as lojas de bijuterias.

Na sua bagagem, do expediente dividido entre a praça e a Beira rio, ele diz já ter visto muita coisa nesses anos.

Viu bandido morrendo em briga de bêbados, viu hippies sofrendo overdoses, policia atirando em bandido, “a Beira rio é venenosa cara, já vi muito tiro, gente se jogando no rio pra fugir da policia, mas graças a Deus eu nunca entrei nessa, sempre limpo, nunca mexi com isso de droga. O povo tem uma visão errada de que a gente é tudo hippie drogado. A única coisa que faço é beber minha cerveja”, desabafa sorrindo.

Chegando um cliente, ele levanta do banco para atender o rapaz que compra uma aliança de aço. Ele acaba vendendo por um preço menor que o combinado, sinal de que a situação anda apertada. Ao voltar pro banco ele explica “a procura tá muito pouca, mas no tempo de festa junina eu vendo bastante, dá pra tirar uns 100 contos por dia.” Depois demonstra alguma indignação com seus colegas de trabalho “tem uns caras aí que só vende coisa ruim. Vende um cordão dizendo que é de aço e depois de dois dias ele fica enferrujado. Aí depois quer saber por que o povo não compra mais. Fosse eu também não comprava negócio que não presta. Eu não vendo coisa ruim cara, entende?”.

Penivaldo já foi vítima das enchentes do Tocantins, porém ele denuncia algumas pessoas que se valem da condição dos desabrigados para lograrem benefícios. “Tem gente ali que nem perde nada e fica pedindo coisa nova. O Tocantins é um rio respeitador, ele não invade as casas sem pedir primeiro, ele vai enchendo aos poucos, não é violento. Eu prefiro trabalhar, guardar um dinheiro e alugar uma casa por uma semana pra sair da enchente do que depender de governo que num faz nada pra melhorar a situação”.

Depois de uma hora de conversa eu pergunto se ele quer viver da maneira atual até o fim da vida. Ele diz que gosta do que faz, que não tem patrão enchendo o saco nem uniforme, se mostra satisfeito com a própria vida. Eu pondero dizendo que o trabalho parece ser pesado demais, pergunto se ele não espera algo melhor da vida. A resposta é de uma sabedoria de quem torceu fios por anos com as mãos habilidosas: “ah, a vida é assim mesmo. Tudo acontece com quem tem que acontecer”.

Não vou embora sem antes comprar um anel. Agradeço a atenção, subo na moto, e vou para casa, enquanto ele deita no banco como se fosse o sofá da sala. E talvez seja, como também o dos mendigos, flanelinhas, pedintes e tantos outros personagens que fazem da cidade uma paleta com as mais instigantes cores, tonalidades, obras e seres.

9 comentários:

  1. Muito desnecessário perguntar se o cara quer viver assim pelo resto da vida como assim? Tudo bem que o sistema no qual estamos inseridos é excludente, mas nao devemos nos prender ao senso comum de que todos precisamos seguir um padrão de vida que a sociedade acha que é o melhor ou o mais adequado; o cara é feliz! o que vem a ser algo melhor da vida? o cara faz o que gosta e ainda bebe a cervejinha dele! Agora ele sim ponderou na resposta ao dizer que " a vida é assim mesmo". Não entendi a proposta, achei desnecessária as indagações.

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  2. Minha intenção era exatamente esta. Posso ter me expressado errôneamente ao ter feito deste modo e colocado no texto esta pergunta ,mas o que eu quis mesmo saber dele era exatamente isto (se ele sentía-se feliz com a vida que leva). Em momento algum eu quis implementar ou impor a idéia de que o melhor pra ele seria seguir um padrão , até porque esta não era minha função no momento , nem a foi em qualquer outro. Sei que o sistema atual é segregador e excludente como disseste. Mas a pergunta que fiz foi baseada , talvez equivocadamente e indeliberadamente tendenciosa , em um julgamento meu de que o trabalho seria insatisfatório , sendo que ele mesmo me respondeu que não o era.
    Indagações desnecessárias não têm respostas coerentes. Se as têm , são óbvias. A proposta era retratar um indivíduo quase imperceptível à sociedade sem interferência ideológica. Ou pelo menos foi o que eu tentei. Savi?

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  3. kkkkkkkkkkkkk esse titulo me remete a outras práticas kkkkkkkkkk

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Não tinha feito essa leitura .. galera do mal heim ..kkkkkkk

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